DA LEI DE JUSTIÇA, DE AMOR E DE CARIDADE.
Estudo com base in O LIVRO DOS ESPÍRITOS
Livro III - Cap. XI, itens de 873 à 892.
obra codificada por Allan Kardec
Pesquisa: Elio Mollo
JUSTIÇA E DIREITOS NATURAIS
O sentimento da justiça está na Natureza de tal modo em a Natureza, que nos revoltamos à simples idéia de uma injustiça. É fora de dúvida que o progresso moral desenvolve esse sentimento, mas não o dá. Deus o pôs no coração do homem. Daí vem que, freqüentemente, em homens simples e incultos nos deparamos com noções mais exatas da justiça do que nos que possuem grande cabedal de saber. (873)
Sendo a justiça uma lei da Natureza, a explicação de que os homens a entendam de modos tão diferentes, considerando uns justo o que a outros parece injusto é porque a esse sentimento se misturam paixões que o alteram, como sucede à maior parte dos outros sentimentos naturais, fazendo que os homens vejam as coisas por um prisma falso. (874).
A definição de justiça é que a justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais. E o que determina esses direitos são duas coisas: a lei humana e a lei natural. Tendo os homens formulado leis apropriadas a seus costumes e caracteres, elas estabeleceram direitos mutáveis com o progresso das luzes. Hoje as nossas leis, aliás imperfeitas, consagram os mesmos direitos que as da Idade Média. Entretanto, esses direitos antiquados, que agora se nos afiguram monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. Nem sempre, pois, é acorde com a justiça o direito que os homens prescrevem. Demais, este direito regula apenas algumas relações sociais, quando é certo que, na vida particular, há uma imensidade de atos unicamente da alçada do tribunal da consciência." (875)
Posto de parte o direito que a lei humana consagra, a base da justiça, segundo a lei natural: Disse o Cristo: “Queira cada um para os outros o que quereria para si mesmo”. No coração do homem imprimiu Deus a regra da verdadeira justiça, fazendo que cada um deseje ver respeitados os seus direitos. Na incerteza de como deva proceder com o seu semelhante, em dada circunstância, trate o homem de saber como quereria que com ele procedessem, em circunstância idêntica. Guia mais seguro do que a própria consciência não lhe podia Deus haver dado. (876)
Nota de Allan Kardec: Efetivamente, o critério da verdadeira justiça está em querer cada um para os outros o que para si mesmo quereria e não em querer para si o que quereria para os outros, o que absolutamente não é a mesma coisa. Não sendo natural que haja quem deseje o mal para si, desde que cada um tome por modelo o seu desejo pessoal, é evidente que nunca ninguém desejará para o seu semelhante senão o bem. Em todos os tempos e sob o império de todas as crenças, sempre o homem se esforçou para que prevalecesse o seu direito pessoal. A sublimidade da religião cristã está em que ela tomou o direito pessoal por base do direito do próximo.
Da necessidade que o homem tem de viver em sociedade, nascem-lhe obrigações especiais e a primeira de todas é a de respeitar os direitos de seus semelhante. Aquele que respeitar esses direitos procederá sempre com justiça. No nosso mundo, porque a maioria dos homens não pratica a lei de justiça, cada um usa de represálias. Essa a causa da perturbação e da confusão em que vivem as sociedades humanas. A vida social outorga direitos e impões deveres recíprocos. (877)
Podendo o homem enganar-se quanto à extensão do seu direito, o que lhe fará conhecer o limite desse direito com relação a si mesmo é reconhecer ao seu semelhante, em idênticas circunstâncias e reciprocamente. Mas, dirão alguns: se cada um atribuir a si mesmo direitos iguais aos de seu semelhante, que virá a ser da subordinação aos superiores? Não será isso a anarquia de todos os poderes? Os direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde os de condição mais humilde até os de posição mais elevada. Deus não fez uns de limo mais puro do que o de que se serviu para fazer os outros, e todos, aos Seus olhos, são iguais. Esses direitos são eternos. Os que o homem estabeleceu perecem com as suas instituições. Demais, cada um sente bem a sua força ou a sua fraqueza e saberá sempre ter uma certa deferência para com os que o mereçam por suas virtudes e sabedoria. É importante acentuar isto, para que os que se julgam superiores conheçam seus deveres, a fim de merecer essas deferências. A subordinação não se achará comprometida, quando a autoridade for deferida à sabedoria. (878)
O caráter do homem que praticasse a justiça em toda a sua pureza seria a do verdadeiro justo, a exemplo de Jesus, porquanto praticaria também o amor do próximo e a caridade, sem os quais não há verdadeira justiça. (879)
DIREITO DE PROPRIEDADE. ROUBO.
O primeiro de todos os direitos naturais do homem é o de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal. (880)
O direito de viver dá ao homem o de acumular bens que lhe permitam repousar quando não mais possa trabalhar, mas ele deve fazê-lo em família, como a abelha, por meio de um trabalho honesto, e não como egoísta. Há mesmo animais que lhe dão o exemplo de previdência. (881)
Tem o homem o direito de defender os bens que haja conseguido juntar pelo seu trabalho desde que siga estas instruções: Dos mandamentos ditados a Moisés por Deus: “Não roubarás.” E de Jesus: “Dai a César o que é de César.” (882)
Nota de Allan Kardec: O que, por meio do trabalho honesto, o homem junta constitui legítima propriedade sua, que ele tem o direito de defender, porque a propriedade que resulta do trabalho é um direito natural, tão sagrado quando o de trabalhar e de viver.
É natural o desejo de possuir, mas quando o homem deseja possuir para si somente e para sua satisfação pessoal, o que há é egoísmo. Há homens insaciáveis, que acumulam bens sem utilidade para ninguém, ou apenas para saciar suas paixões. Julgas que Deus vê isso com bons olhos? Aquele que, ao contrário, junta pelo trabalho, tendo em vista socorrer os seus semelhantes, pratica a lei de amor e caridade, e Deus abençoa o seu trabalho. (883)
O caráter da legítima propriedade é unicamente a que foi adquirida sem prejuízo de outrem. (884)
808. A desigualdade das riquezas não se originará da das faculdades, em virtude da qual uns dispõem de mais meios de adquirir bens do que outros?
"Sim e não. Da velhacaria e do roubo, que dizeis?"
808 a. Mas, a riqueza herdada, essa não é fruto de paixões más.
"Que sabes a esse respeito? Busca a fonte de tal riqueza e verás que nem sempre é pura. Sabes, porventura, se não se originou de uma espoliação ou de uma injustiça? Mesmo, porém, sem falar da origem, que pode ser má, acreditas que a cobiça da riqueza, ainda quando bem adquirida, os desejos secretos de possuí-la o mais depressa possível, sejam sentimentos louváveis? Isso o que Deus julga e eu te asseguro que o Seu juízo é mais severo que o dos homens."
Nota de Allan Kardec: Proibindo-nos que façamos aos outros o que não desejáramos que nos fizessem, a lei de amor e de justiça nos proíbe, ipso facto, a aquisição de bens por quaisquer meios que lhe sejam contrários.
Tudo o que legitimamente se adquire constitui uma propriedade. Mas, como havemos dito, a legislação dos homens, porque imperfeita, consagra muitos direitos convencionais, que a lei de justiça reprova. Essa a razão por que eles reformam suas leis, à medida que o progresso se efetua e que melhor compreendem a justiça. O que num século parece perfeito, afigura-se bárbaro no século seguinte. (885)
795. Qual a causa da instabilidade das leis humanas?
"Nas épocas de barbaria, são os mais fortes, que fazem as leis e eles as fizeram para si. À proporção que os homens foram compreendendo melhor a justiça, indispensável se tornou a modificação delas. Quanto mais se aproximam da vera justiça, tanto menos instáveis são as leis humanas, isto é, tanto mais estáveis se vão tornando, conforme vão sendo feitas para todos e se identificam com a lei natural."
CARIDADE E AMOR DO PRÓXIMO
O verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus: Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas. (886)
Nota de Allan Kardec: O amor e a caridade são o complemento da lei de justiça. pois amar o próximo é fazer-lhe todo o bem que nos seja possível e que desejáramos nos fosse feito. Tal o sentido destas palavras de Jesus: Amai-vos uns aos outros como irmãos.
A caridade, segundo Jesus, não se restringe à esmola, abrange todas as relações em que nos achamos com os nossos semelhantes, sejam eles nossos inferiores, nossos iguais, ou nossos superiores. Ela nos prescreve nós mesmos, e nos proíbe que humilhemos os desafortunados, contrariamente ao que se costuma fazer. Apresente-se uma pessoa rica e todas as atenções e deferências lhe são dispensadas. Se for pobre, toda gente como que entende que não precisa preocupar-se com ela. No entanto mais lastimosa seja a sua posição, tanto maior cuidado devemos pôr em lhe não aumentarmos o infortúnio pela humilhação. O homem verdadeiramente bom procura elevar, aos seus próprios olhos, aquele que lhe é inferior, diminuindo a distância que os separa.
Jesus também disse: Amai mesmo os vossos inimigos. Ora, ninguém pode votar aos seus inimigos um amor terno e apaixonado. Não foi isso o que Jesus entendeu de dizer. Amar os inimigos é perdoar-lhes e lhes retribuir o mal com o bem. O que assim procede se torna superior aos seus inimigos, ao passo que abaixo deles se coloca , se procura tomar vingança. (887)
“Condenando-se a pedir esmola, o homem se degrada física e moralmente: embrutece-se. Uma sociedade que se baseia na lei de Deus e na justiça deve prover à vida do fraco, sem que haja para ele humilhação. Deve assegurar a existência dos que não podem trabalhar, sem lhes deixar a vida à mercê do acaso e da boa-vontade de alguns.
“A esmola não merece reprovação, o que merece reprovação é a maneira por que habitualmente é dada. O homem de bem, que compreende a caridade de acordo com Jesus, vai ao encontro do desgraçado, sem esperar que este lhe estenda a mão.
"A verdadeira caridade é sempre bondosa e benévola; está tanto no ato, como na maneira por que é praticado. Duplo valor tem um serviço prestado com delicadeza. Se o for com altivez, pode ser que a necessidade obrigue quem o recebe a aceitá-lo, mas o seu coração pouco se comoverá.
"Lembrai-vos também de que, aos olhos de Deus, a ostentação tira o mérito ao benefício. Disse Jesus: "Ignore a vossa mão esquerda o que a direita der." Por essa forma, ele vos ensinou a não tisnardes a caridade com o orgulho.
"Deve-se distinguir a esmola, propriamente dita, da beneficência. Nem sempre o mais necessitado é o que pede. O temor de uma humilhação detém o verdadeiro pobre, que muita vez sofre sem se queixar. A esse é que o homem verdadeiramente humano sabe ir procurar, sem ostentação.
"Amai-vos uns aos outros, eis toda a lei, lei divina, mediante a qual governa Deus os mundos. O amor é a lei de atração para os seres vivos e organizados. A atração é a lei de amor para a matéria inorgânica.
"Não esqueçais nunca que o Espírito, qualquer que seja o grau de seu adiantamento, sua situação como encarnado, ou na erraticidade, está sempre colocado entre um superior, que o guia e aperfeiçoa, e um inferior, para com o qual tem que cumprir esses mesmos deveres. Sede, pois, caridosos, praticando, não só a caridade que vos faz dar friamente o óbolo que tirais do bolso ao que vo-lo ousa pedir, mas a que vos leve ao encontro das misérias ocultas. Sede indulgentes com os defeitos dos vossos semelhantes. Em vez de votardes desprezo à ignorância e ao vício, instruí os ignorantes e moralizai os viciados. Sede brandos e benevolentes para com tudo o que vos seja inferior. Sede-o para com os seres mais ínfimos da criação e tereis obedecido à lei de Deus." São Vicente de Paulo (888)
Há homens que se vêem condenados a mendigar por culpa sua, sem dúvida, mas, se uma boa educação moral lhes houvera ensinado a praticar a lei de Deus, poderia lhes ter evitado cair nos excessos causadores da sua perdição. Disso, sobretudo, é que depende a melhoria do nosso planeta. (889)
707. É freqüente a certos indivíduos faltarem os meios de subsistência, ainda quando os cerca a abundância. A que se deve atribuir isso?
"Ao egoísmo dos homens, que nem sempre fazem o que lhes cumpre. Depois e as mais das vezes, devem-no a si mesmos. Buscai e achareis; estas palavras não querem dizer que, para achar o que deseje, basta que o homem olhe para a terra, mas que lhe é preciso procurá-lo, não com indolência, e sim com ardor e perseverança, sem desanimar ante os obstáculos, que muito amiúde são simples meios de que se utiliza a Providência, para lhe experimentar a constância, a paciência e a firmeza."
534. Será por influência de algum Espírito que, fatalmente, a realização dos nossos projetos parece encontrar obstáculos?
"Algumas vezes é isso efeito da ação dos Espíritos; muito mais vezes, porém, é que andais errados na elaboração e na execução dos vossos projetos. Muito influem nesses casos a posição e o caráter do indivíduo. Se vos obstinais em ir por um caminho que não deveis seguir, os Espíritos nenhuma culpa têm dos vossos insucessos. Vós mesmos vos constituís em vossos maus gênios."
AMOR MATERNO E FILIAL
O amor materno pode ser uma virtude como pode ser um sentimento instintivo, comum aos homens e aos animais. A Natureza deu à mãe o amor a seus filhos no interesse da conservação deles. No animal, porém, esse amor se limita às necessidades materiais; cessa quando desnecessário se tornam os cuidados. No homem, persiste pela vida inteira e comporta um devotamento e uma abnegação que são virtudes. Sobrevive mesmo à morte e acompanha o filho até no além-túmulo. Bem vedes que há nele coisa diversa do que há no amor do animal. (890)
235. Enquanto permanecem nos mundos transitórios, os Espíritos progridem?
"Certamente. Os que vão a tais mundos levam o objetivo de se instruírem e de poderem mais facilmente obter permissão para passar a outros lugares melhores e chegar à perfeição que os eleitos atingem."
385. Que é o que motiva a mudança que se opera no caráter do indivíduo em certa idade, especialmente ao sair da adolescência? É que o Espírito se modifica?
"É que o Espírito retoma a natureza que lhe é própria e se mostra qual era.
"Não conheceis o que a inocência das crianças oculta. Não sabeis o que elas são, nem o que foram, nem o que serão. Contudo, afeição lhes tendes, as acaricias, como se fossem parcelas de vós mesmos, a tal ponto que se considera o amor que uma mãe consagra a seus filhos como o maior amor que um ser possa votar a outro. Donde nasce o meigo afeto, a terna benevolência que mesmo os estranhos sentem por uma criança? Sabeis? Não. Pois bem! Vou explicá-lo."
"As crianças são os seres que Deus manda a novas existências. Para que não lhe possam imputar excessiva severidade, dá-lhes Ele todos os aspectos da inocência. Ainda quando se trata de uma criança de maus pendores, cobrem-se-lhe as más ações com a capa da inconsciência. Essa inocência não constitui superioridade real com relação ao que eram antes, não. É a imagem do que deveriam ser e, se não o são, o conseqüente castigo exclusivamente sobre elas recai.
"Não foi, todavia, por elas somente que Deus lhes deu esse aspecto de inocência; foi também e sobretudo por seus pais, de cujo amor necessita a fraqueza que as caracteriza. Ora, esse amor se enfraqueceria grandemente à vista de um caráter áspero e intratável, ao passo que, julgando seus filhos bons e dóceis, os pais lhes dedicam toda a afeição e os cercam dos mais minuciosos cuidados. Desde que, porém, os filhos não mais precisam da proteção e assistência que lhes foram dispensadas durante quinze ou vinte anos, surge-lhes o caráter real e individual em toda a nudez. Conservam-se bons, se eram fundamentalmente bons; mas, sempre irisados de matizes que a primeira infância manteve ocultos.
"Como vedes, os processos de Deus são sempre os melhores e, quando se tem o coração puro, facilmente se lhes apreende a explicação.
"Com efeito, ponderai que nos vossos lares possivelmente nascem crianças cujos Espíritos vêm de mundos onde contraíram hábitos diferentes dos vossos e dizei-me como poderiam estar no vosso meio esses seres, trazendo paixões diversas das que nutris, inclinações, gostos, inteiramente opostos aos vossos; como poderiam enfileirar-se entre vós, senão como Deus o determinou, isto é, passando pelo tamis da infância? Nesta se vêm confundir todas as idéias, todos os caracteres, todas as variedades de seres gerados pela infinidade dos mundos em que medram as criaturas. E vós mesmos, ao morrerdes, vos achareis num estado que é uma espécie de infância, entre novos irmãos. Ao volverdes à existência extraterrena, ignorareis os hábitos, os costumes, as relações que se observam nesse mundo, para vós, novo. Manejareis com dificuldade uma linguagem que não estais acostumado a falar, linguagem mais vivaz do que o é agora o vosso pensamento. (319)
319. Já tendo o Espírito vivido a vida espírita antes da sua encarnação, como se explica o seu espanto ao reingressar no mundo dos Espíritos?
"Isso só se dá no primeiro momento e é efeito da perturbação que se segue ao despertar do Espírito. Mais tarde, ele se vai inteirando da sua condição, à medida que lhe volta a lembrança do passado e que a impressão da vida terrena se lhe apaga." (N°s. 163 e seguintes.)
163 A alma, ao deixar o corpo, tem imediatamente consciência de si mesma?
– Consciência imediata não. Ela passa algum tempo como num estado de perturbação.
164 Todos os Espíritos experimentam, no mesmo grau e com a mesma duração, a perturbação que se segue à separação da alma e do corpo?
– Não, isso depende de sua elevação. Aquele que já está depurado reconhece a sua nova situação quase imediatamente, porque já se libertou da matéria durante a vida do corpo, enquanto o homem carnal, aquele cuja consciência não é pura, conserva durante muito mais tempo as sensações da matéria.
165 O conhecimento do Espiritismo tem alguma influência sobre a duração, mais ou menos longa, dessa perturbação?
– Uma influência muito grande, uma vez que o Espírito já compreendia antecipadamente sua situação. Mas a prática do bem e a consciência pura exercem maior influência.
Nota de Allan Kardec: No momento da morte, tudo é inicialmente confuso; a alma necessita de algum tempo para se reconhecer. Ela fica atordoada, semelhante à situação de uma pessoa que desperta de um profundo sono e procura se dar conta da situação. A lucidez das idéias e a memória do passado voltam à medida que se apaga a influência da matéria da qual acaba de se libertar e à medida que se vai dissipando uma espécie de névoa que obscurece seus pensamentos.
O tempo da perturbação que se segue à morte do corpo é bastante variável. Pode ser de algumas horas, de muitos meses ou até mesmo de muitos anos. É menos longa para aqueles que se identificaram já na vida terrena com seu estado futuro, porque compreendem imediatamente sua posição.
Essa perturbação apresenta circunstâncias particulares de acordo com o caráter dos indivíduos e, principalmente, com o gênero de morte. Nas mortes violentas, por suicídio, suplício, acidente, apoplexia, ferimentos, etc., o Espírito fica surpreso, espantado e não acredita estar morto. Sustenta essa idéia com insistência e teimosia. Entretanto, vê seu corpo, sabe que é o seu e não compreende que esteja separado dele. Procura aproximar-se de pessoas que estima, fala com elas e não compreende por que não o escutam. Essa ilusão dura até o completo desprendimento do perispírito. Só então o Espírito reconhece o estado em que se encontra e compreende que não faz mais parte do mundo dos vivos. Esse fenômeno se explica facilmente. Surpreendido pela morte, o Espírito fica atordoado com a brusca mudança que se operou nele. A morte é, para ele, sinônimo de destruição, de aniquilamento. Mas, como ainda pensa, vê, escuta, não se considera morto. O que aumenta ainda mais sua ilusão é o fato de se ver num corpo semelhante ao anterior, cuja natureza etérea não teve ainda tempo de estudar. Acredita que seja sólido e compacto como o primeiro; e quando percebe esse detalhe, se espanta por não poder apalpá-lo. Esse fenômeno é semelhante ao que acontece com os sonâmbulos inexperientes que não acreditam dormir, porque, para eles, o sono é sinônimo de suspensão das atividades, e, como podem pensar livremente e ver, julgam não estar dormindo. Alguns Espíritos apresentam essa particularidade, embora a morte não tenha acontecido inesperadamente. Porém, é sempre mais generalizada naqueles que, apesar de estar doentes, não pensavam em morrer. Vê-se, então, o singular espetáculo de um Espírito assistir ao seu enterro como sendo o de um estranho e falando sobre o assunto como se não lhe dissesse respeito, até o momento em que compreende a verdade.
A perturbação que se segue à morte nada tem de pesaroso para o homem de bem! É calma e muito semelhante à de um despertar tranqüilo. Para aquele cuja consciência não é pura, a perturbação é cheia de ansiedade e angústias que aumentam à medida que reconhece a situação em que se encontra.
Nos casos de morte coletiva, tem-se observado que os que perecem ao mesmo tempo nem sempre se revêem imediatamente. Na perturbação que se segue à morte, cada um vai para seu lado, ou apenas se preocupa com aqueles que lhe interessam.
Crisálida: estado intermediário entre lagarta e borboleta. No contexto, significa a transformação, o vir a ser (N. E.).
Apoplexia: lesão cerebral aguda; derrame cerebral (N. E.).
"A infância ainda tem outra utilidade. Os Espíritos só entram na vida corporal para se aperfeiçoarem, para se melhorarem. A delicadeza da idade infantil os torna brandos, acessíveis aos conselhos da experiência e dos que devam fazê-los progredir. Nessa fase é que se lhes pode reformar os caracteres e reprimir os maus pendores. Tal o dever que Deus impôs aos pais, missão sagrada de que terão de dar contas.
"Assim, portanto, a infância é não só útil, necessária, indispensável, mas também conseqüência natural das leis que Deus estabeleceu e que regem o Universo." (385)
Mesmo estando na Natureza o amor materno, ainda há mães que odeiam os filhos e, não raro, desde a infância destes. Isto acontece porque às vezes, é uma prova que o Espírito do filho escolheu, ou uma expiação, se aconteceu ter sido mau pai, ou mãe perversa, ou mau filho, noutra existência (392). Em todos os casos, a mãe má não pode deixar de ser animada por um mau Espírito que procura criar embaraços ao filho, a fim de que sucumba na prova que buscou. Mas, essa violação das leis da Natureza não ficará impune e o Espírito do filho será recompensado pelos obstáculos de que haja triunfado. (891)
392. Por que perde o Espírito encarnado a lembrança do seu passado?
"Não pode o homem, nem deve, saber tudo. Deus assim o quer em Sua sabedoria. Sem o véu que lhe oculta certas coisas, ficaria ofuscado, como quem, sem transição, saísse do escuro para o claro. Esquecido de seu passado ele é mais senhor de si.”
Quando os filhos causam desgostos aos pais, não têm estes desculpa para o fato de lhes dispensarem a ternura de que os fariam objeto, em caso contrário, porque isso representa um encargo que lhes é confiado e a missão deles consiste em se esforçarem por encaminhar os filhos para o bem (582-583). Demais, esses desgostos são, amiúde, a conseqüência do mau feitio que os pais deixaram que seus filhos tomassem desde o berço. Colhem o que semearam. (892)
582. Pode-se considerar como missão a paternidade?
"É, sem contestação possível, uma verdadeira missão. É ao mesmo tempo grandíssimo dever e que envolve, mais do que o pensa o homem, a sua responsabilidade quanto ao futuro. Deus colocou o filho sob a tutela dos pais, a fim de que estes o dirijam pela senda do bem, e lhes facilitou a tarefa dando àquele uma organização débil e delicada, que o torna propício a todas as impressões. Muitos há, no entanto, que mais cuidam de aprumar as árvores do seu jardim e de fazê-las dar bons frutos em abundância, do que de formar o caráter de seu filho. Se este vier a sucumbir por culpa deles, suportarão os desgostos resultantes dessa queda e partilharão dos sofrimentos do filho na vida futura, por não terem feito o que lhes estava ao alcance para que ele avançasse na estrada do bem."
583. São responsáveis os pais pelo transviamento de um filho que envereda pelo caminho do mal, apesar dos cuidados que lhe dispensaram?
"Não; porém, quanto piores forem as propensões do filho, tanto mais pesada é a tarefa e tanto maior o mérito dos pais, se conseguirem desviá-lo do mau caminho."
583 a. Se um filho se torna homem de bem, não obstante a negligência ou os maus exemplos de seus pais, tiram estes daí algum proveito?
Deus é justo."
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